Conselho
Nacional de Justiça
PORTARIA
PRESIDÊNCIA N. 170 DE 20 DE JUNHO DE 2023.
Estabelece
procedimentos e diretrizes para a realização de
mutirões processuais penais nos Tribunais de Justiça do
país durante os meses de julho e agosto de 2023.
A
PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no
exercício de suas atribuições legais e
regimentais, e tendo em vista o contido no processo SEI n.
06394/2023,
CONSIDERANDO
o direito fundamental à duração razoável
do processo (CF, art. 5º, XXLVIII) e o caráter
excepcional da prisão antes do trânsito em julgado da
decisão condenatória (CPP, art. 282, § 6º);
CONSIDERANDO
os objetivos do Departamento de Monitoramento e Fiscalização
do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução
de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ) elencados no art. 1º, §
1º, da Lei nº 12.106/2009, especialmente a atribuição
de planejar, organizar e coordenar, no âmbito de cada tribunal,
a realização de mutirões para reavaliação
da prisão provisória e definitiva e da medida de
segurança, e para o aperfeiçoamento de rotinas
cartorárias;
CONSIDERANDO
o disposto no art. 185 da Lei de Execução Penal,
segundo o qual configura excesso ou desvio de execução
a prática de algum ato além dos limites fixados na
decisão que decreta a prisão, assim como em normas
legais ou regulamentares;
CONSIDERANDO
que o Código de Processo Penal dedica capítulo
específico às medidas cautelares diversas da prisão,
bem como a Resolução CNJ n. 288/2019, que define a
política institucional do Poder Judiciário para a
promoção da aplicação de alternativas
penais, com enfoque restaurativo, em substituição à
privação de liberdade;
CONSIDERANDO
o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, do Estado de
Coisas Inconstitucional do Sistema Prisional Brasileiro, “cuja
modificação depende de medidas abrangentes de natureza
normativa, administrativa e orçamentária” (ADPF
n. 347 MC/DF), mediante atuação articulada das
instituições que compõem o sistema de justiça
criminal;
CONSIDERANDO
o verbete da Súmula Vinculante n. 56, segundo o qual a
falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a
manutenção da pessoa condenada em regime prisional mais
gravoso, devendo-se observar os parâmetros fixados no acórdão
do RE nº 641.320/RS, cujo dispositivo fixou que, no caso
de déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a
saída antecipada de sentenciado do regime com falta de vagas;
(ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai
antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por
falta de vagas; e (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito
e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto;
CONSIDERANDO
a aprovação da Proposta de Súmula Vinculante n.
139, pelo Plenário do STF, com o seguinte teor: “É
impositiva a fixação do regime aberto e a substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando
reconhecida a figura do tráfico privilegiado (art. 33, §
4º, da Lei n. 11.343/2006) e ausentes vetores negativos na
primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP), observados os requisitos
do art. 33, § 2º, alínea c e do art. 44, ambos do
Código Penal”;
CONSIDERANDO
o disposto da Resolução CNJ n. 369/2021, que estabelece
procedimentos e diretrizes para a substituição da
privação de liberdade de gestantes, mães, pais e
responsáveis por crianças e pessoas com deficiência,
nos termos dos arts. 318 e 318-A do Código de Processo Penal,
e em cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus
concedidas pela 2º Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs n.
143.641/SP e 165.704/DF;
RESOLVE:
Art.
1º Estabelecer diretrizes e procedimentos para a realização
de mutirões processuais penais no ano de 2023, com o objetivo
de garantir o cumprimento da legislação e dos
precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal, possibilitando
desafogar os sistemas prisionais estaduais.
Art.
2º Os mutirões ocorrerão a partir de estratégia
conjunta fomentada pelo CNJ e protagonizada pelos Tribunais de
Justiça, em articulação com os demais órgãos
do sistema de justiça, para a reavaliação de
ofício da prisão nos processos de conhecimento e de
execução penal que contemplem alguma das seguintes
hipóteses:
I
– prisões preventivas com duração maior do
que 1 (um) ano;
II
– gestantes, mães e mulheres responsáveis por
crianças e pessoas com deficiência presas cautelarmente;
III
– pessoas em cumprimento de pena em regime prisional mais
gravoso do que o fixado na decisão condenatória;
IV
– pessoas cumprindo pena em regime diverso do aberto,
condenadas pela prática de tráfico privilegiado (art.
33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006).
Art.
3º A realização dos mutirões será
precedida pela coleta de informações a serem fornecidas
pelos Tribunais de Justiça por meio de formulário
eletrônico, até o dia 14 de julho do corrente ano, que
incluirá as seguintes informações, com recortes
mínimos de gênero e raça, cor ou etnia:
I
– o número de pessoas presas cautelarmente há
mais de 1 (um) ano;
II
– o número de gestantes, mães e mulheres
responsáveis por crianças e pessoas com deficiência
presas no estado;
III
– o número de pessoas em cumprimento de pena nos regimes
semiaberto e aberto alojadas em celas de regime fechado;
IV
– o número de pessoas cumprindo pena nos regimes fechado
ou semiaberto condenadas exclusivamente pela prática de
tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n.
11.343/2006).
Art.
4º A reavaliação da situação
jurídica das pessoas privadas de liberdade considerará:
I
– quanto à prisão provisória:
a
reavaliação dos requisitos que ensejaram a custódia
processual e a possibilidade de substituição da prisão
por medida cautelar alternativa;
em
se tratando de gestantes, mães e mulheres responsáveis
por crianças e pessoas com deficiência, a substituição
por prisão domiciliar ou medidas alternativas à
prisão, na forma da Resolução CNJ n. 369/2021;
II
– quanto à pena em execução:
análise
sobre a possibilidade de progressão de regime, incluída
a hipótese de saída antecipada, na forma da Súmula
Vinculante n. 56;
a
colocação em regime aberto, avaliando-se a
possibilidade de substituição da pena privativa de
liberdade por pena restritiva de direito, das pessoas condenadas
exclusivamente pela prática de tráfico privilegiado
(art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006), quando ausentes
vetores negativos na primeira fase da dosimetria, nos termos da
Proposta de Súmula Vinculante nº 139.
Parágrafo
único. A revisão das prisões cautelares
previstas no inciso I, b, do artigo anterior observará as
ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do
Supremo Tribunal Federal nos HCs n. 143.641 e 165.704, que admitem a
manutenção da custódia apenas nos seguintes
casos:
I
– crimes praticados mediante violência ou grave ameaça;
II
– crimes praticados contra seus descendentes;
III
– suspensão ou destituição do poder
familiar por outros motivos que não a prisão;
IV
– situações excepcionalíssimas, as quais
deverão ser devidamente fundamentadas, considerando:
a
absoluta excepcionalidade do encarceramento de gestantes, mães
e mulheres responsáveis por crianças e pessoas com
deficiência, em favor dos quais as ordens de habeas corpus
foram concedidas;
a
presunção legal de indispensabilidade dos cuidados
maternos;
a
presunção de que a separação de mães
ou responsáveis de seus filhos ou dependentes afronta o
melhor interesse dessas pessoas, titulares de direito à
especial proteção;
a
desnecessidade de comprovação de que o ambiente
carcerário é inadequado para gestantes, lactantes e
seus filhos.
Art.
5º As medidas de revisão processual mencionadas nos
artigos anteriores não poderão ser condicionadas à
imposição ou efetiva instalação de
equipamento de monitoramento eletrônico, a ser determinada nas
hipóteses em que as circunstâncias do caso concreto e as
condições psicossociais de cumprimento da medida
indicarem sua necessidade e adequação, observada a
quantidade de equipamentos disponíveis, a capacidade das
centrais de monitoração e respectivas equipes
multidisciplinares, podendo o juízo valer-se de outras medidas
para garantir a vinculação da pessoa ao processo ou ao
cumprimento da pena.
Parágrafo
único. Eventual imposição de medida de
monitoramento eletrônico seguirá os princípios e
diretrizes da Resolução CNJ n. 412/2021, especialmente
quanto às hipóteses de aplicação, tempo
de duração, determinação de condições
que contribuam para a inserção social da pessoa e
procedimentos para o tratamento de incidentes.
Art.
6º A revisão dos processos será preferencialmente
realizada pelos juízes e juízas a eles vinculados,
podendo cada Tribunal de Justiça criar grupo de trabalho com
jurisdição em todo o estado, integrado ainda por
servidores em número compatível com a quantidade de
feitos.
Art.
7º Os Tribunais de Justiça criarão Comissão
de Acompanhamento dos trabalhos do mutirão, com as seguintes
atribuições:
I
– providenciar a divulgação dos dados a que se
referem os arts. 3º e 8º da presente Portaria;
II
– coordenar a revisão dos processos de acordo com as
diretrizes apresentadas nos dispositivos anteriores;
III
– articular com as demais instituições do sistema
de justiça, incluindo Defensoria Pública, Ordem dos
Advogados do Brasil, Ministério Público, Secretaria de
Administração Penitenciária, Escritórios
Sociais ou instituições similares, para o bom andamento
dos trabalhos do mutirão, para favorecer a saída digna
do cárcere e possibilitar o encaminhamento às políticas
públicas de saúde e assistência social quando
necessário.
Parágrafo
único. A Comissão será composta por:
I
– um representante do CNJ/DMF;
II
– um representante do GMF;
III
– um representante da Corregedoria do Tribunal.
Art.
8º Até o dia 11 de setembro do corrente ano, os Tribunais
de Justiça fornecerão informações dos
resultados do mutirão, em formulário eletrônico,
à Corregedoria-Geral de Justiça e ao DMF, contendo os
resultados do mutirão, incluindo:
I
– a quantidade de processos revisados;
II
– a quantidade de pessoas beneficiadas com progressão de
regime ou colocadas em liberdade, com as eventuais condições
impostas;
III
– a taxa atualizada de ocupação dos
estabelecimentos de privação de liberdade.
Art.
9º Os mutirões ocorrerão em todo o país
entre os dias 24 de julho e 25 de agosto do corrente ano.
Art.
10 Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação.
Ministra
ROSA WEBER
Documento
assinado eletronicamente por ROSA MARIA PIRES WEBER, PRESIDENTE