PROVIMENTO
TRF2-PVC-2023/00011 de 14 de dezembro de 2023
Recomenda
a adoção de procedimentos relacionados à
tramitação de processos nos quais seja parte ou
interessada pessoa em situação de rua.
A
CORREGEDORA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, no
uso de suas atribuições,
CONSIDERANDO
que a dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado
Democrático de Direito;
CONSIDERANDO que
a prática de aporofobia viola os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, nomeadamente aquele
relacionado ao combate a todas as formas de discriminação;
CONSIDERANDO
que é objetivo da República Federativa do Brasil a
erradicação da pobreza e da marginalização,
além da redução das desigualdades sociais;
CONSIDERANDO
os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda
2030 da ONU, notadamente o ODS 1 (erradicação da
pobreza), o ODS 10 (redução da desigualdade), e o ODS
11 (cidades e assentamentos humanos acessíveis, inclusivos,
seguros, resilientes e sustentáveis);
CONSIDERANDO
a Resolução 425 do Conselho Nacional de Justiça,
que estabelece a Política Nacional Judicial de Atenção
a Pessoas em Situação de Rua;
CONSIDERANDO
que houve um incremento de 211% por cento na população
em situação de rua na última década (2012
a 2022), segundo dados do IPEA;
CONSIDERANDO
o princípio da duração razoável
do processo, previsto no art. 5o, inciso LXVIII, da CF;
CONSIDERANDO
as peculiaridades e vulnerabilidades que afetam as pessoas em
situação de rua;
CONSIDERANDO
a necessidade de resguardar os direitos das pessoas em situação
de rua de forma célere e eficiente;
RECOMENDA
a adoção dos seguintes procedimentos nos feitos em que
figurem como partes ou interessadas pessoas em situação
de rua:
Art.1°.
Considera-se população em situação de rua
o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza
extrema, eventuais vínculos familiares interrompidos ou
fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular,
e que utiliza os logradouros públicos e as áreas
degradadas como espaço de moradia, sociabilidade e sustento,
de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de
acolhimento para pernoite temporário ou como moradia
provisória.
Art.2°.
A não exibição de documentos de identificação
não deve ser empecilho à propositura de ações
e à prática de atos processuais, inclusive em fase
pré-processual, por parte das pessoas em situação
de rua, devendo o magistrado oficiar os cartórios de Registro
Civil, a Central de Informações de Registro Civil de
Pessoas Naturais (CRC) e os cadastros de identificação,
a fim de obter as informações e documentos necessários
para tanto.
Art.3°.
Deve ser permitida a substituição do comprovante de
residência por um endereço de referência da rede
de proteção social (CRAS, CREAS, Centro Pop, Centro de
Acolhida, Casas de Passagem, entre outros), conforme orientação
constante da política de Assistência Social.
Parágrafo
único. Quando os documentos estiverem em poder de entidades
públicas, o Juízo deverá determinar que sejam
encaminhados e juntados aos autos, evitando-se que a pessoa em
situação de rua tenha que se deslocar para
solicitá-los.
Art.
4°. A qualificação como pessoa em situação
de rua será acessível apenas aos serventuários
da justiça e às partes, salvo interesse legítimo,
definido conforme a Lei de Acesso a Informação e
a Lei Geral de Proteção de Dados.
Art.
5° O magistrado deverá empreender esforços para
assegurar prioridade na tramitação dos processos em que
figure como parte ou interessada pessoa em situação de
rua.
§1°.
A prioridade no processamento independerá de requerimento da
parte.
§2°.
A unidade jurisdicional deverá classificar o processo como
prioritário através do preenchimento do campo
“informações adicionais” no e-Proc.
Art.
6°. Caso sejam identificadas, em processo judicial, pessoas em
situação de rua, inclusive crianças e
adolescentes, que façam uso problemático de álcool
e outras drogas ou que apresentem outras questões de saúde
mental como sofrimento ou transtorno mental, o magistrado deverá
encaminhá-las à Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS),
nos termos do art.2°, parágrafo único, inciso I, da
Lei 10.216/01, e do art. 11 da Lei 8.069/90.
Art.
7°. A pessoa em situação de rua com deficiência
tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal,
em igualdade de condições com as demais pessoas, não
sendo pressuposto para a concessão de benefícios
previdenciários ou assistenciais a curatela,
conforme o art.12 da Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, o art. 20 da Lei Orgânica
da Assistência Social e o art. 39 da Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência.
§
1º. A curatela aplicada às pessoas em situação
de rua deve ser medida excepcional, sobretudo para fins
previdenciários e assistenciais, uma vez que quase sempre são
rompidos os laços familiares, devendo ser priorizada a Tomada
de Decisão Apoiada, nos termos do art. 1.783-A do Código
Civil.
§
2º. A incapacidade para o trabalho, para fins de concessão
de benefícios previdenciários e assistenciais às
pessoas em situação de rua, não está
necessariamente atrelada às condições que
ensejam a curatela e deve levar em conta o contexto restritivo
socioeconômico, diante das excepcionais dificuldades
enfrentadas por essas pessoas para inserção no mercado
de trabalho.
Art.
8°. Deve evitar-se a prisão preventiva que tenha como uma
de suas motivações a situação de rua.
Art.
9º. Observar-se-á, quando da determinação
de medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art.
319 do CPP, aquela que melhor se adequar à realidade da pessoa
em situação de rua, em especial quanto à sua
hipossuficiência, à proporcionalidade da medida diante
do contexto e trajetória de vida, além da possibilidade
de cumprimento, evitando- se a aplicação de múltiplas
medidas cautelares concomitantemente para garantir que alcancem a sua
finalidade.
Art.
10º. Será priorizada a adoção de medidas
distintas da monitoração eletrônica para pessoas
em situação de rua.
Parágrafo
único. No caso de fixação de monitoração
eletrônica, o juízo deverá, em conjunto com a
rede de proteção social, indicar local de fácil
acesso à energia elétrica, para carregamento da bateria
do dispositivo eletrônico, inclusive no período noturno.
Art.
11º. Na aplicação de medidas penais alternativas
às pessoas em situação de rua, os magistrados
deverão, preferencialmente, optar por aquelas que possam ser
efetivamente cumpridas e priorizar a prestação de
serviços nas entidades que promovam a proteção
social.
Art.
12º. A extinção da medida ou pena imposta deve ser
comunicada, com urgência, através dos sistemas oficiais
de identificação, de antecedentes criminais e de
informações criminais.
Art.
13º. Nos casos em que for concedida prisão domiciliar e a
pessoa declarar não possuir residência, deve-se indagar
sobre o interesse em acolhimento institucional e, caso tal interesse
exista, realizar o encaminhamento para a rede local de acolhimento às
pessoas em situação de rua, a fim de evitar a privação
de liberdade em decorrência da ausência de moradia.
Art.
14º. Deverá ser observada a vulnerabilidade decorrente da
situação de rua no momento de aplicação
da pena, evitando- se a aplicação da pena secundária
de multa.
Parágrafo
único. Na hipótese de condenação
concomitante a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a pena
privativa de liberdade e verificada a situação de rua
da pessoa egressa do sistema penitenciário, deve ser
verificada, no curso da execução criminal, a
possibilidade de extinção da punibilidade
independentemente do adimplemento da sanção pecuniária.
Art.
15º. Este Provimento entrará em vigor na data de
sua publicação.
PUBLIQUE-SE.
REGISTRE-SE. CUMPRA-SE.
LETICIA
DE SANTIS MELLO
Corregedora
Regional da Justiça Federal da 2a. Região
ANA
CAROLINA VIEIRA DE CARVALHO
Juíza
Federal em auxílio
Corregedoria
Regional da Justiça Federal da 2ª Região
Este documento é parte do caderno administrativo do TRF do diário publicado em 18/12/2023. O caderno do diário eletrônico é assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por MARIA ALICE GONZALEZ RODRIGUEZ:10382, Nº de Série do Certificado 1287503996015469073, em 15/12/2023 às 14:12:36.